Quantcast
Channel: Blogueiras Feministas » trans 2013 | Blogueiras Feministas
Viewing all articles
Browse latest Browse all 6

Lea T no Fantástico

$
0
0

No dia 27 de janeiro foi exibida, no programa da rede Globo Fantástico, uma entrevista com Léa T, com a manchete: Cirurgia não trouxe felicidade, diz Lea T. após troca de sexo. Lea T é modelo internacional e recentemente fez uma cirurgia de mudança de sexo na Tailândia. A partir de uma discussão em nosso grupo, sobre implicações que as declarações de Lea T tem para a comunidade transexual brasileira, Jaqueline fez o comentário que publicamos aqui para encerrar a série de posts em comemoração a Semana da Visibilidade Trans.

—–

Cena da entrevista com Lea T, exibida no programa Fantástico de 27/01/2013.

Cena da entrevista com Lea T, exibida no programa Fantástico de 27/01/2013.

Texto de Jaqueline Gomes de Jesus.

Assim que ouvi as perguntas feitas pela entrevistadora na chamada para a matéria, decidi que não assistiria a entrevista com Lea T. Perguntas simplórias, senão verdadeiramente cissexistas. Não queria (mais uma vez) ficar angustiada com o baixo nível do jornalismo que trata do assunto “gênero”, de forma geral, que é piorado quando tenta enquadrar a população trans, normalmente partindo do cissexismo e chegando à transfobia desbragada.

Bem, de qualquer forma, a repercussão chegou até a mim. Na internet li todos os comentários a respeito e vi que estava certa ao não assistir a mais um ato público de exposição midiática negativa de uma pessoa trans. Uma colega de trabalho perguntou se eu tinha assistido, quando soube que eu não tinha e porquê, respondeu que pior que as perguntas da entrevistadora foram as respostas da entrevistada.

Conversamos a respeito, e no fundo, a meu ver, tudo tem a ver com a conscientização de todas as pessoas acerca das transgeneridades: todas, ressalto, pessoas cisgênero e transgênero.

Eu trabalho muito com o conceito de política identitária, por isso entendo que: (1) as falas de personalidades nunca são meramente pessoais, elas são públicas e têm repercussões junto à população; (2) qualquer forma de preconceito e discriminação está entranhada na sociedade, logo, toda forma de preconceito e discriminação deve ser enfrentada não apenas na cabeça e no coração do outro que não é discriminado, mas também na cabeça e no coração de quem é discriminado.

O movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Trans) avançou sobremaneira com o conceito de orgulho LGBT. Paradoxalmente, as trans foram e têm sido as menos beneficiadas, porém as que mais têm lutado sob essa bandeira. Falta um orgulho trans, que não dependa do aval de outros grupos sociais, nem mesmo daqueles aos quais as pessoas trans estão ligadas politica e historicamente, como os LGB.

O movimento negro avançou muito com o conceito de consciência negra. Como podemos nos considerar tão dignos quanto o outro se ignoramos nossa história de lutas e não valorizamos a nossa diferença como pessoas e como um grupo? Nosso desafio, de pessoas que lutam pela valorização da diversidade, é promover uma consciência trans, que não dependa mais das vozes das/dos militantes, mas que possa ser reproduzida por cada pessoa trans.

Não é dito, mas isso que tantos ativistas e gestores públicos abrem a boca para chamar de “cultura LGBT”, é na verdade uma cultura trans, criada e aprimorada, ao longo de pelo menos um século, especificamente pelas pessoas trans, para sua sobrevivência psicológica e física, e que tem sido sistematicamente apropriada por outros.

O movimento feminista avançou enormemente depois de adotar o conceito de gênero e sua natureza como eixo estruturante das relações sociais. Ainda hoje, em função da associação histórica e submissão ao movimento político LGBT, tanto pessoas trans quanto cis confundem a transexualidade com uma orientação sexual, mesmo que seja evidente que as identidades sociais e as demandas de LGB sejam diferentes das de T.

Falta à população e ao movimento trans também adotar, “de corpo e alma”, se posso dizer, o gênero como eixo estruturante da luta trans por cidadania, sem vergonha disso, sem abaixar a cabeça, sem depender da tutela do outro para ser reconhecida/o como homem ou como mulher, sem adotar a vergonha de si como se fosse parte de sua identidade social como trans!

Estou dizendo isso tudo porque, reforço, discursos pessoais feitos nos meios de comunicação de massa se tornam, imediatamente, discursos sociais. Não podemos subestimar o fato de que a opinião de uma personalidade, conhecida mundialmente, seja apenas pessoal. Tampouco basta lamentarmos e criticarmos uma pessoa: devemos lamentar e criticar suas ideias.

É imprescindível que tenhamos orgulho de quem somos, para gerarmos uma consciência de onde viemos e para onde queremos ir, e não aceitemos o desvirtuamento da natureza da dimensão que nos orienta: o gênero.

—–

Jaqueline Gomes de Jesus é doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela Universidade de Brasília – UnB e pesquisadora do Laboratório de Trabalho, Diversidade e Identidade – LTDI/UnB. Escreve no blog: Jaqueline J.

Outros textos que foram publicados durante essa Semana da Visibilidade Trans:

[+] E daí? Eu também sou travesti!

[+] Pensando além da (in)visibilidade.

[+] Por visibilidades trans* multiplicadas, complexificadas, descolonizadas.

[+] Questão de Gênero – Visibilidade Trans.

Autor@ Convidad@

Somos brasileir@s, de várias partes do país, com diferentes experiências de vida. Somos feministas. A gente continua essa história do feminismo, nas ruas e na rede.

More Posts


Viewing all articles
Browse latest Browse all 6

Latest Images





Latest Images